quinta-feira, 12 de junho de 2008

Ciber-etos

Ciber-etos, o etos cibernético, busca dar conta do etos produzido em uma interação mediada por computador. Está diretamente relacionado com os conceitos de Locutor ל (o enunciador de uma interação mediada por computador) e Fiador φ (o fiador de um hipertexto). O ciber-etos opera no Bios Midiático (conceito de Muniz Sodré). O bios midiático é uma extrapolação dos 3 bios explorados por Aristóteles em seu livro "Ética a Nicômaco".

Os 3 BIOS de Aristóteles na “Ética (ethos) a Nicômaco”, cada um com um etos, são:

a) bios theoretikos – vida contemplativa;

b) bios politikos; – vida política;

c) bios apolaustikos – vida prazerosa, do corpo +bios midiático – sociabilidade virtual, mediada por computador.

Aqui, entra o Quarto Bios, o bios midiático, que produz um ciber-etos, que é operado por um Locutor ל e produz um Fiador φ.

d) bios midiático – sociabilidade virtual, mediada por computador.

Fiador φ

Conceito criado por Daniel Lopez, Fiador φ busca dar conta do fiador de um texto cibernético. Este conceito está diretamente relacionado com o Locutor ל .

Locutor ל (Lâmede, letra do idioma hebraico que significa "laço") é um conceito criado por Daniel Lopez que busca dar conta do estatuto locutor (enunciador) em uma interação mediada por computador. Este conceito surge como fruto da necessidade de dar conta das especificidades de um locutor que enuncia a partir de um universo cibernético. Assim como Ducrot teve que extrapolar o conceito aristotélico de locutor para o universo da enunciação, e Maingueneau o teve que deslocar para o texto escrito, Daniel Lopez, interessado em analisar a produção do etos em um a interação mediada por computador, teve de pensar não somente sobre o Locutor ל , mas também sobre o fiador φ, que é o fiador que dá corpo não a um texto escrito comum, mas a um hipertexto.

Locutor ל (Lâmed)

Locutor ל (Lâmede, letra do idioma hebraico que significa "laço") é um conceito criado por Daniel Lopez que busca dar conta do estatuto do locutor (enunciador) em uma interação mediada por computador. Este conceito surge como fruto da necessidade de dar conta das especificidades de um locutor que enuncia a partir de um universo cibernético. Assim como Ducrot teve que extrapolar o conceito aristotélico de locutor para o universo da enunciação, e Maingueneau o teve que deslocar para o texto escrito, Daniel Lopez, interessado em analisar a produção do etos em uma interação mediada por computador, teve de pensar não somente sobre o Locutor ל , mas também sobre o fiador φ, que é o fiador que dá corpo, não a um texto escrito comum, mas a um hipertexto.

Segue abaixo um resumo do processo que levou à proposição do conceito de Locutor ל .

O deslocamento do Etos:

a) Aristóteles: Locutor L.

b) Ducrot: Locutor λ (enunciador).

c) Maingueneau: Locutor F (fiador). O etos passou do locutor para o universo do discurso: produção de sentido e adesão do sujeito ao discurso (“incorporação”).

d) Lopez-Lago: Locutor ל (Lâmed) – Etos no fiador φ (fiador de um hipertexto). O Etos cibernético: o ciber-etos.

Enunciação etos-fagocitante

Magnificação trófica, conceito de Daniel Lopez, funciona para dar conta do movimento pelo qual o etos produzido por um locutor permanece através do tempo, e o processo pelo qual este etos produzido anteriormente pode ser retomado (enunciação etos-corroborante), atualizado (enunciação etos-atualizadora, através da qual a magnificação opera) ou mesmo apagado (enunciação etos-fagocitante) através de futuras enunciações.

Enunciação etos-atualizadora

Magnificação trófica, conceito de Daniel Lopez, funciona para dar conta do movimento pelo qual o etos produzido por um locutor permanece através do tempo, e o processo pelo qual este etos produzido anteriormente pode ser retomado (enunciação etos-corroborante), atualizado (enunciação etos-atualizadora, através da qual a magnificação opera) ou mesmo apagado (enunciação etos-fagocitante) através de futuras enunciações.

Enunciação etos-corroborante

Magnificação trófica, conceito de Daniel Lopez, funciona para dar conta do movimento pelo qual o etos produzido por um locutor permanece através do tempo, e o processo pelo qual este etos produzido anteriormente pode ser retomado (enunciação etos-corroborante), atualizado (enunciação etos-atualizadora, através da qual a magnificação opera) ou mesmo apagado (enunciação etos-fagocitante) através de futuras enunciações.

Índices descritivos

Índices descritivos é um conceito de Daniel Lopez que busca ampliar o universo de ítens compreendidos pelas chamadas "descrições definidas", que comporiam os nomes próprios. John Searle defende uma posição acerca da natureza dos nomes próprios condizente com as idéias da Teoria Descritivista de Gottlob Frege, em On sense and nominatum, e Bertrand Russel em On denoting, e que consiste na tese segundo a qual todo nome próprio é associado a um determinado conjunto de descrições. Em outras palavras, para Searle, um nome é um designador indireto. Um nome próprio tem sentido não porque descreva características de um objeto, mas porque está logicamente conectado com o conjunto das descrições definidas necessárias e suficientes para a descrição de um objeto particular.

Não aplicamos, aqui, a teoria de Searle em sua forma original, já que aceitamos parte da crítica oferecida pela Teoria Causal de Saul Kripke (Namming and Ncessity). Substituímos o termo de Searle “descrições definidas” por “índices descritivos”, mais abrangente e mais pertinentes à nossa análise discursiva. Todavia, entendemos que a filosofia analítica é de grande utilidade para se expandir o conceito de etos pré-discursivo, ainda pouco explorado, inclusive na obra de Maingueneau.

Em Análise de textos de comunicação (p. 182 a 186) Maingueneau adota claramente a posição de Searle (e da tradição descritivista fregeana) do nome próprio como fruto da união de um conjunto indeterminado descrições definidas. Ele afirma que

Quando utilizamos um nome próprio para designar um referente, podemos também utilizar um grupo nominal com artigo definido para designar o mesmo referente... O grupo nominal com artigo definido, que pode designar tanto um indivíduo (“o carro azul”) como uma pluralidade de indivíduos (“os filhos de Jules”), denomina-se descrição definida. (MAINGUENEAU, 2001, p. 182)

Todavia, como Maingueneau bem lembra no decorrer desse texto, utilizar uma descrição definida significa obrigar o co-enunciador a escolher um indivíduo singular, caracterizando-o por intermédio de uma ou várias propriedades. As descrições definidas, portanto, enquanto peças constituintes de um nome próprio, são utilizadas para isolar um indivíduo, ou seja, isolar um único referente, estabelecendo características (através deste grupo nominal com artigo definido) que sejam pertinentes àquele único referente a que nos dirigimos.

Todavia, para além das definições (MAINGUENEAU, 2001, p. 183) de “descrições autônomas” (que remetem a um único referente) e “descrições dependentes do contexto” (quando o co-enunciador deve colocar o grupo nominal em relação com o contexto para identificar de que referente se trata), alteramos o termo “descrições definidas” (que são compostas pela forma ARTIGO DEFINIDO + NOME, em que o artigo definido individualiza o referente), pela expressão “índices descritivos”, já que o modelo que aqui propomos aceita não só características que pertencem unicamente ao indivíduo designado pelo nome próprio, mas adjetivos gerais como “mulher”, “atriz”, “bonita”, etc.

Magnificação Trófica

A dinâmica de operação do etos pré-discursivo ainda não foi contemplada pelos diversos estudos da AD. Portanto, buscamos com este trabalho propor um modelo teórico que explique a dinâmica de produção e atualização do etos pré-discursivo. Aqui inserimos a tese principal deste estudo, a de que o etos pré-discursivo pode comportar a imagem pregressa do enunciador a partir da visão do nome próprio como um designador indireto, semelhante à teoria defendida por John Searle em seu artigo Proper Names (1958).

Explorando a teoria dos nomes próprios, já analisada por Maingueneau (Análise de textos de comunicação, p. 182 a 186), propomos um novo conceito, que chamaremos de magnificação trófica, porque a teoria tradicional de Maingueneau sobre o etos pré-discursivo não nos elucida sobre a maneira pela qual um locutor vai construindo seu etos, e não explica com mais detalhes quanto ao modo pelo qual é possível retomar esta imagem de si, construída previamente, em uma futura enunciação. O conceito de magnificação trófica busca dar conta deste processo de produção, retomada e atualização do etos.

No artigo em questão, Searle defende uma posição acerca da natureza dos nomes próprios condizente com as idéias da Teoria Descritivista de Gottlob Frege, em On sense and nominatum, e Bertrand Russel em On denoting, e que consiste na tese segundo a qual todo nome próprio é associado a um determinado conjunto de descrições. Em outras palavras, para Searle, um nome é um designador indireto. Um nome próprio tem sentido não porque descreva características de um objeto, mas porque está logicamente conectado com o conjunto das descrições definidas necessárias e suficientes para a descrição de um objeto particular.

Não aplicamos, aqui, a teoria de Searle em sua forma original, já que aceitamos parte da crítica oferecida pela Teoria Causal de Saul Kripke (Namming and Ncessity). Substituímos o termo de Searle “descrições definidas” por “índices descritivos”, mais abrangente e mais pertinentes à nossa análise discursiva. Todavia, entendemos que a filosofia analítica é de grande utilidade para se expandir o conceito de etos pré-discursivo, ainda pouco explorado, inclusive na obra de Maingueneau.

Em Análise de textos de comunicação (p. 182 a 186) Maingueneau adota claramente a posição de Searle (e da tradição descritivista fregeana) do nome próprio como fruto da união de um conjunto indeterminado descrições definidas. Ele afirma que

Quando utilizamos um nome próprio para designar um referente, podemos também utilizar um grupo nominal com artigo definido para designar o mesmo referente... O grupo nominal com artigo definido, que pode designar tanto um indivíduo (“o carro azul”) como uma pluralidade de indivíduos (“os filhos de Jules”), denomina-se descrição definida. (MAINGUENEAU, 2001, p. 182)

Todavia, como Maingueneau bem lembra no decorrer desse texto, utilizar uma descrição definida significa obrigar o co-enunciador a escolher um indivíduo singular, caracterizando-o por intermédio de uma ou várias propriedades. As descrições definidas, portanto, enquanto peças constituintes de um nome próprio, são utilizadas para isolar um indivíduo, ou seja, isolar um único referente, estabelecendo características (através deste grupo nominal com artigo definido) que sejam pertinentes àquele único referente a que nos dirigimos.

Todavia, para além das definições (MAINGUENEAU, 2001, p. 183) de “descrições autônomas” (que remetem a um único referente) e “descrições dependentes do contexto” (quando o co-enunciador deve colocar o grupo nominal em relação com o contexto para identificar de que referente se trata), alteramos o termo “descrições definidas” (que são compostas pela forma ARTIGO DEFINIDO + NOME, em que o artigo definido individualiza o referente), pela expressão “índices descritivos”, já que o modelo que aqui propomos aceita não só características que pertencem unicamente ao indivíduo designado pelo nome próprio, mas adjetivos gerais como “mulher”, “atriz”, “bonita”, etc.

Portanto, propomos uma teoria mista, que chamamos de magnificação trófica, termo emprestado da biologia e que se relaciona à acumulação de substâncias em um organismo vivo. Acumulação esta tanto maior quanto maior for o nível trófico do indivíduo na cadeia alimentar. Ou seja, a magnificação trófica é caracterizada pelo acúmulo progressivo de determinado composto no corpo de organismos vivos pertencentes aos diversos níveis das cadeias e teias alimentares.

Explicamos. Cada ser vivo é parte importante de uma cadeia alimentar, e o aumento ou diminuição do número de indivíduos de uma determinada espécie influencia, direta ou indiretamente, a vida de várias outras espécies. Os vegetais ocupam o nível trófico dos produtores, os animais herbívoros são os consumidores primários, os carnívoros, secundários, e assim por diante.

Imagine que um coelho coma grande massa de capim contendo DDT. Este coelho, ao ser devorado por um lobo, fará com que a concentração de DDT no lobo seja maior do que no coelho que lhe serviu de alimento. Se um urso devorar o lobo, a concentração do DDT também será maior em seu organismo. E o fenômeno irá se repetindo, aumentando (magnificando), assim, a presença de tal composto nos organismos.

Dessa maneira, uma vez ingeridos pelos seres vivos, os produtos tóxicos concentram-se cada vez mais ao longo das cadeias alimentares, pois não têm participação no metabolismo e sua eliminação através de fezes, urina ou suor é lenta e difícil.

Portanto, organismos nos últimos níveis acabam por ingerir altas doses destes mesmos tóxicos. Este fenômeno, conhecido como magnificação trófica, é responsável pelo acúmulo de metais pesados (como chumbo e mercúrio) no corpo dos seres vivos.

Como as substâncias lipossolúveis (que se dissolvem no tecido adiposo do animal e ali ficam acumuladas) não podem ser eliminadas pela urina, e se o organismo não possui enzimas que degradem estas substâncias, elementos como o chumbo e o DDT ficam acumulados no animal. Assim, como vimos, quando este animal é devorado por outro, a gordura é absorvida pelo intestino, levando consigo a substância tóxica que, em seguida, fica acumulada no tecido gorduroso do predador.

Para a compreensão do conceito da magnificação trófica, urge que se explique, primeiro, o conceito de “cadeia alimentar” ou “cadeia trófica”.

A cadeia alimentar é a maneira de expressar as relações de alimentação entre os organismos de uma comunidade, iniciando-se nos produtores (plantas) e passando pelos herbívoros (consumidor primário), predadores (consumidor secundário) e decompositores (fungos e bactérias), por esta ordem. Ao longo da cadeia alimentar há uma transferência de energia e de nutrientes (a energia diminui ao longo da cadeia alimentar), sempre no sentido dos produtores para os decompositores.

Já que em cada nível da cadeia alimentar há muita perda de energia, um predador deve consumir muitas presas, incluindo todas as substâncias acumuladas em seu tecido adiposo. Por exemplo, apesar de o mercúrio estar presente no mar em pequeníssimas quantias, ele é absorvido pelas algas. O peixe que consumir essas algas também ingere o mercúrio. Este processo explica porque peixes predatórios como o tubarão, ou aves predatórias como as águias, possuem concentrações elevadas de mercúrio em seus tecidos, em uma proporção maior do que se tivessem sido expostos diretamente ao mercúrio.

O termo “magnificação trófica” também é conhecido como “biomagnificação”, “bioamplificação” ou “magnificação biológica”. Preferimos “magnificação trófica” pois não traz o termo “bio”, o que poderia induzir a erro, apesar de Foucault utilizar termos como “biopoder” sem criar confusões com a biologia.

A primeira vez que o termo “magnificação trófica” apareceu no título de uma publicação científica foi em um artigo de 1973 (Biomagnification of p,p'-DDT and methoxychlor by bactéria), de B. Johnson e J. Kennedy. Todavia, o conceito foi elaborado pela primeira vez por Rachel Carson, em seu livro Silent Spring, de 1962. Porém, embora no terceiro capítulo deste livro Carson descreva o processo, ela não lhe dá o nome de magnificação trófica. Curiosamente, ela concentrou suas análises em sistemas terrestres, enquanto a maioria dos trabalhos que tem sido realizados nesta área estudam sistemas aquáticos. Carson chamou atenção para este fenômeno, e outros ecologistas e toxicologistas passaram a examinar sua ocorrência em muitos sistemas. Conforme o DDT, o mercúrio e outras substâncias lipofílicas (que ficam acumuladas no tecido gorduroso do animal) foram sendo descobertas em elevadas concentrações nos animais pertencentes aos níveis mais altos da cadeia alimentar, em pesquisas desenvolvidas durante toda a década de 70, o conceito da magnificação trófica se estabeleceu no meio científico. A grande maioria dos textos introdutórios de ecologia e de ciência ambiental trazem o conceito da magnificação trófica. Quanto ao etos, a semelhança com o processo da magnificação trófica se dá pelo fato de que, em cada enunciação, o locutor vai acrescentando índices descritivos a seu etos, de modo que as características agregadas à sua pessoa podem ser acumuladas na memora coletiva e retomadas em futuras enunciações. Para tanto, convém que analisemos o modo pelo qual Maingueneau interpreta o conceito de “nomes próprios”, que é muito semelhante à idéia defendida por Searle em seu artigo Proper Names (1958).

Voltando, portanto, à teoria de Searle, adotada por Maingueneau, que entende os nomes próprios como compostos por grupos de descrições definidas (que reformulamos e batizamos com o nome “magnificação trófica”), oferecemos um exemplo. O nome “Aristóteles”, neste sentido, seria composto, segundo Searle (1958), por um grupo de descrições do tipo:

1.o fundador da lógica formal;
2. o melhor aluno de Platão;
3. o professor de Alexandre;
4. o famoso filosofo grego chamado ‘Aristóteles’;
5. o maior filósofo da antiguidade.

Segundo a magnificação trófica, entendemos que este grupo disjunto (em que as unidades são independentes) e indeterminado vai sendo acrescido de novos índices descritivos conforme o enunciador vai se apresentando em público e proferindo seus enunciados, promovendo, assim, uma magnificação trófica de seus termos descritivos, o que determina a construção constante de um etos pré-discursivo. Como exemplo, retomo Maingueneau (MAINGUENEAU, 2006, p. 69). Ele cita a Carta a todos os franceses, de 1988, escrita por F. Mitterand, em que ele compara sua própria enunciação à fala de um pai de família que conversa à mesa com seus parentes. Neste momento, Mitterand adicionou a seu etos o índice descritivo “pai de família”, ou “homem de família”, ou mesmo “pessoa que se preocupa com os valores da família”. Estes índices ficam acumulados na memória coletiva e podem ser por ele retomados, por exemplo, quando em um futuro debate público, lhe fosse perguntado sobre a importância da família no mundo atual.

Observado com mais cautela, o conceito da magnificação trófica é consoante com o Maingueneau que já havia abordado:

Se o jorgador “Carter” trocar de time de basquete e for jogar em Le Mans, podemos atribuir-lhe outras descrições definidas (por exemplo, não será mais “o Antibense”, mas “o habitante de Le Mans”); contudo, nunca deixará de ser “Carter”. (MAINGUENEAU, 2001, p. 184).

“Carter” nunca deixará de ser “Carter” porque este nome próprio é composto por descrições definidas que o individualizam, algumas autônomas e outras dependentes do contexto. Nosso modelo, porém, comporta não só as descrições definidas mas também índices descritivos gerais, que não constituem uma necessidade vinculada aos nomes próprios.

Como afirmou Amossy (2005, p.9), “todo ato de tomar a palavra implica a construção de uma imagem de si”. Nossa proposta é a de que esta construção da imagem de si é um processo contínuo, sendo que, em cada pronunciamento, novos índices descritivos vão sendo acrescidos e passam a integrar o etos do locutor. Dessa maneira, em cada enunciação, esta “imagem de si” vai sendo acumulada (magnificada), tornando possível ao enunciador retomá-la em suas enunciações futuras. Isto, em conformidade com Maingueneau, quando afirma (evidenciando o momento em que as enunciações anteriores são retomadas) que “o ethos está crucialmente ligado ao ato de enunciação, mas não se pode ignorar que o público constrói também representações do ethos do enunciador antes mesmo que ele fale” (2006, p. 57). Ou seja, o etos vai sendo instalado na “memória coletiva” (MAINGUENEAU, 1999, p.81), e passa a compor a “cena de fala”, que deverá ser validada (positivada) pelo locutor a fim de que o auditório possa incorporar-se a seu discurso.

Ao abordar a questão da imagem de marca, Maingueneau nos oferece um exemplo muito próximo à teoria da magnificação trófica:

A evolução dessa imagem se deve em boa parte aos discursos que a empresa emite e emitiu sobre ela mesma e sobre seus produtos, em particular pela publicidade. Por mais que uma marca se coloque como uma identidade que transcende os enunciados que ela produz, ela é, na realidade, modificada por esses enunciados: tais enunciados podem reforçar ou, ao contrário, modificar esta imagem (MAINGUENEAU, 2001, p. 212).

Fica evidente, portanto, que não só a imagem que se tem de uma empresa, mas seu etos, são construídos por seus próprios enunciados, que podem reforçar esta imagem (através do que chamamos de enunciação etos-corroborante e enunciação etos-atualizadora) ou modificá-la (através do que chamamos de enunciação etos-fagocitante).

Além disso, já que o nome de marca é um tipo de nome próprio (MAINGUENEAU, 2001, p. 208), estas condições acima são válidas também para os nomes de pessoas, e seu respectivo etos. O que nossa teoria traz de novidade é o etos putativo, que se dá quando terceiros, através de suas enunciações, contribuem para a construção do etos de uma pessoa/marca. Em um trabalho futuro explicaremos o modo de operação do etos putativo.

quarta-feira, 11 de junho de 2008

Etos Putativo

O etos putativo é criado por enunciados que terceiros fazem sobre o locutor em questão, fazendo com que sejam depositados, na memória coletiva, índices descritivos que configuram um etos particular relativo ao nome próprio do enunciador. O termo “putativo”, do latim putativus “presumido”, da raiz putare “imaginar”, e tem a mesma origem da palavra “reputação”. Desse modo, porque é fruto da enunciação de um outro, está na ordem de uma “reputação”, de um etos presumido. Além disso, assim como no caso do “crime putativo” (ou “delito putativo”) que se dá quando o agente imagina que a conduta por ele praticada constitui crime, mas, em verdade, constitui uma conduta legal, o etos putativo também está na ordem de um etos imaginário, ou artificial, já que, segundo se entende, o etos de um sujeito só pode ser produzido por ele mesmo, e não por terceiros.
Julgamos pertinente seguir à análise com uma exemplificação. Um dos casos mais explícitos da construção de um etos putativo é o da função dos críticos (de arte, de cinema, de literatura, etc). Isto porque este tipo de discurso, legitimado através dos estereótipos do “mundo ético” dos críticos e das características próprias desse gênero, produz enunciações cujo teor ético será depositado na memória coletiva, agregando-se ao etos constante do nome próprio do autor ou da obra por ele avaliada. Em tempo, o verbo “avaliar” nos é aqui de grande utilidade, pois significa “dar valor”. Neste mesmo sentido, o etos putativo nada mais é do que a cunhagem de uma positivação ou negativização de um etos específico.

Analisemos, portanto, o famoso artigo de Monteiro Lobato, Paranóia ou Mistificação? A propósito da Exposição Malfatti, em que ele ataca violentamente a pintora expressionista Anita Malfatti, por ocasião da exposição individual da artista em 1917.

Em geral, nos casos em que ocorre o etos putativo, como nos textos de crítica arte, primeiro se estabelece um modelo paradigmático, de modo que a obra objeto da crítica irá aproximar-se deste modelo (criando-se um etos positivado) ou dele afastar-se (construindo-se um etos negativado). No referido texto de Monteiro Lobato, observamos esta mesma estratégia discursiva já no início do texto. Analisemos o trecho abaixo:

"Há duas espécies de artistas. Uma composta dos que vêem as coisas e em conseqüência fazem arte pura, guardados os eternos ritmos da vida, e adotados, para a concretização das emoções estéticas, os processos clássicos dos grandes mestres".

No trecho acima, observamos um conjunto de oposições diádicas. De início, observamos o modelo paradigmático, identificado pela expressão “arte pura”. Há também um jogo de ordem temporal, ou cronológica. O modelo paradigmático de “arte pura” se relaciona diretamente com o “eterno”, pois é reflexo e depositário dos “eternos ritmos da vida”, em um claro esforço de se essencializar o que se entenderia por “boa arte”. Observamos ainda uma metáfora visual, no trecho em que se afirma que a espécie dos artistas que exercem a “arte pura” é composta por aqueles que “vêem normalmente”. Aí está o modelo paradigmático do qual a obra de Malfatti se afasta, segundo o etos putativo desenvolvido pelo texto da crítica.

No parágrafo seguinte, após nomear alguns dos artistas que compõem este grupo que pratica a “arte pura”, Lobato reforça a questão temporal, afirmando que estes artistas-modelos são “sóis imorredoiros”.

No trecho seguinte, Monteiro Lobato inicia o processo de oposições, mostrando que Anita Malfatti se afasta deste paradigma supostamente eterno:

A outra espécie é formada dos que vêm anormalmente a natureza e a interpretam à luz das teorias efêmeras, sob a sugestão estrábica de escolas rebeldes, surgidas cá e lá como furúnculos da cultura excessiva.

Separemos, a partir do trecho acima, as oposições:

1- “vêem normalmente” X “estrábica”;
2- “arte pura” X “furúnculos”;
3- “eternos” X “efêmeros”;
4- “ritmo” X “cultura excessiva”.

Dessa maneira, os enunciados acima agregam alguns índices descritivos negativados ao etos do nome próprio Anita Malfatti, com o reforço de mostrar o quão a arte de Malfatti está afastada do modelo positivado. Os enunciados não somente acrescentam os índices descritivos “estrabismo”, “efemeridade”, “furúnculo-doença”, “excesso-desmedida-desproporção” ao etos de Anita Malfatti (não ao sujeito empírico, mas ao nome Anita enquanto discurso), mas também reforça o caráter negativado desses índices ao contrapô-los com outros que se mostram aceitáveis.

Primado do Pré-Discurso

Entende-se por “princípio” a proposição que se põe no início de uma dedução, e que não é deduzida de nenhuma outra dentro do sistema considerado, sendo admitida, provisoriamente, como inquestionável. O princípio se relaciona a pontos de probabilidade em um determinado assunto, que permite a formulação de regras ou normas a partir da interpretação de fenômenos e eventos observáveis. As regras e normas ao mesmo tempo dependem e co-criam um contexto particular que orientará a investigação. O princípio compõe a porção subjacente à base de uma análise normativa, que será o objeto do trabalho de investigação. Ao reduzir-se uma regra a seu princípio torna-se mais fácil a argumentação, já que o princípio é, ainda que temporariamente, inquestionável. É algo que o analista toma como verdadeiro para fundamentar o trabalho investigativo.

No intuito de buscar uma demonstração do modo pelo qual história e discurso se interpelam, Dominique Maingueneau inicia seu trabalho em Gênese dos Discursos propondo o princípio do Primado do Interdiscurso. Todavia, já no início da formulação do que seria o Primado do Interdiscurso, Maingueneau reconhece a complexidade do conceito:

é necessário afinar este termo muito vago para nosso propósito e substituí-lo por uma tríade: universo discursivo, campo discursivo, espaço discursivo (MAINGUENEAU, 2005, p. 27).

Maingueneau prefere definir o Primado do Interdiscurso através dos três conceitos listados acima. Sírio Possenti ajuda-nos a esclarecer o que Maingueneau entende por interdiscurso, a partir da presença do Outro no Mesmo:

Assim, o Outro não deve ser pensado como uma espécie de “envelope” do discurso nem um conjunto de citações. No espaço discursivo, o Outro não é nem um fragmento localizável, uma citação, nem uma entidade exterior; nem é necessário que seja localizável por alguma ruptura visível da compacidade do discurso. Ele se encontra na raiz de um Mesmo sempre já descentrado em relação a si próprio, que não é em momento algum passível de ser considerado sob a figura de uma plenitude autônoma. O Outro é o que faz sistematicamente falta a um discurso, é aquela parte de sentido que foi necessário que o discurso sacrificasse para constituir sua identidade. (POSSENTI, 2003, p. 253-269).

A palavra “primado” vem do latim primus “primeiro”, que por sua vez vem do pré-itálico prismos, superlativo do latim antigo pri "antes". O termo latino primus é o mesmo que dá origem a princeps, “príncipe”. Quando Maingueneau fala sobre o Primado do Interdiscurso, ele está se referindo à primazia, à soberania (como à força de um soberano) que o interdiscurso tem sobre o próprio discurso, tendo em vista sua concepção de identidade negociada, em que a presença da alteridade no Mesmo não é reflexo de apenas um outro com que se dialoga, mas uma força constitutiva. Nossa proposta é que o interdiscurso não só tem primazia sobre o discurso, mas é reflexo da presença do pré-discurso no discurso.

A palavra que melhor representa esta conjugação entre princípio e autoridade é arkhé. Ao mesmo tempo em que dá origem ao termo “arquitetura” (“princípio construtivo”) dá origem a “hierarquia” (“poder elevado”, “poder sagrado”), assim como ao termo arkhon, nome dado a um dos nove magistrados na Atenas antiga. Portanto, a arkhé, tema de busca dos filósofos pré-socráticos, reúne em si tanto a idéia de “primado”, “governo”, quanto a idéia de “princípio”, “início”, como no início do Evangelho de João:

en arch hn o logoV kai o logoV hn proV ton qeon kai qeoV hn o logoV
(en archê ên o logos kai o logos ên pros ton theon kai theos ên o logos)
“No princípio era o Verbo, e o Verbo estava com Deus, e o Verbo era Deus”.

Dessa maneira, o pré-discurso não é apenas uma força subjacente ao próprio discurso, mas um princípio que, aqui defendemos, deve orientar a investigação discursiva.

O Dicionário de Análise de Discurso Lusófona

Segundo Marcuschi (1999), é importante dizer que até os anos 60 o estruturalismo esteve no auge na França, sofrendo a partir daí um processo de esgotamento com o avanço do gerativismo chomskyano, com o qual se passa a ter novas alternativas teóricas para a Lingüística. É neste contexto que surge a Análise do Discurso Francesa (ADF) como um "novo modo de leitura" diante do esgotamento dos demais métodos.

Em minha opinião, há um “esgotamento” da influência francesa, anglófona e estrangeira como um todo nos métodos de analise de textos utilizados no Brasil. Urge que se elabore um novo “modo de leitura” diante do esgotamento desses métodos.

Diante desta necessidade, busco através deste Dicionário de Análise de Discurso Lusófona dar visibilidade a trabalhos originais feitos em língua portuguesa que apontam para o surgimento de um novo modo de fazer análise de discurso, que se mostra consoante à realidade dos falantes da língua portuguesa.

MARCUSCHI, Luiz Antônio. Perspectivas teóricas na Análise do Discurso. Texto utilizado no Curso de Mestrado e Doutorado do Programa de Pós-Graduação em Letras e Lingüística. Recife: CACUFPE, 2° Semestre de 1999.